quarta-feira, 16 de abril de 2008

Pirataria a serviços de acesso condicional em consulta

Filipa Salazar Leite

Pirataria a serviços de acesso condicional em consulta



Decorreu até ao passado dia 4 do mês de Abril uma consulta pública tendente a apurar as opiniões de associações de industriais e consumidores, empresas de radiodifusão, operadores de telecomunicações, titulares de direitos de autor e de direitos conexos e entidades de gestão colectiva e dos demais interessados em pronunciar-se sobre a questão da protecção contra a pirataria nos serviços protegidos por sistemas de acesso condicional.

O que se pretende apurar na sequência da realização da consulta é em que medida tem sido eficiente (ou suficiente) a tutela assegurada pela Directiva 98/84/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Novembro, relativa à protecção jurídica dos serviços que se baseiem ou que consistam num acesso condicional (doravante “Directiva”) e se esta permite, ou não, combater eficazmente os acessos ilícitos a serviços cujo acesso é condicional, ou seja, que depende de pagamento prévio pelos consumidores.

Vamos aguardar as conclusões da consulta, mas permitimo-nos desconfiar de uma resposta global que não reconheça as enorme deficiências com que ainda se confrontam todos aqueles que são directamente afectados pela pirataria, bem como aqueles que tentam combatê-la.

O nosso cepticismo relativamente aos progressos obtidos nesta matéria decorre da observação da realidade e do reconhecimento da dificuldade existente no acompanhamento dos avanços que são permanentemente realizados nestas áreas das novas tecnologias, sobretudo quando o estímulo provém, como neste caso, do aproveitamento gratuito de novos serviços e conteúdos.

As dificuldades surgem a diversos níveis, senão vejamos:

Face à velocidade a que ocorrem as inovações, facilmente se compreende que a lei dificilmente consiga traduzir e regular a realidade. Tal sucede sem prejuízo de a lei ser construída com recurso a conceitos amplos, nos quais podem muitas vezes, com alguma facilidade, ser enquadradas estas novas realidades.

Por outro lado, é certo que as entidades que se dedicam ao combate destas práticas não conseguem actualizar-se de modo a eficazmente poderem combatê-las. Combater a pirataria implica, designadamente, poder prever as práticas ilícitas, conhecer os equipamentos e técnicas utilizados e detectar e punir os infractores. Ora, num combate no qual se confrontam entidades jurisdicionais deficientemente treinadas nestas matérias com peritos que se lhes dedicam em exclusivo, a luta é claramente desigual.

Acresce que o próprio controle da prática da pirataria é excepcionalmente complicado, por não ser possível uma fiscalização efectiva dessa prática, designadamente acedendo, para o efeito, às residências dos consumidores.

Também os próprios operadores dificilmente conseguirão antecipar-se às violações, protegendo as suas emissões. Tem-se assistido a um reforço dos mecanismos técnicos de protecção e são até estas empresas que, muitas vezes, asseguram já às entidades fiscalizadoras a necessária formação nestas matérias, mas também este esforço não tem sido suficiente.

Continuamos a ouvir dizer, com frequência, que é perfeitamente legítimo o acesso pirateado a emissões televisivas. Igualmente grave continua a ser o que se passa com os conteúdos protegidos disponíveis na Internet (mas porque não é esse o âmbito deste breve texto teremos de refrear os comentários que este facto nos mereceria).

Esta é a realidade, mas como têm contribuído, para o quadro descrito, a Directiva e os esforços comunitários e nacionais nesta matéria?

A legislação nacional assegurou a transposição da Directiva sobre o acesso condicional através do Decreto-lei n.º 287/2001, de 8 de Novembro, que estabelecia o regime aplicável à oferta de acesso condicional aos serviços de televisão, de radiodifusão e da sociedade de informação, à respectiva protecção jurídica, bem como aos equipamentos de utilizador que lhe estão associados. Este diploma, por sua vez, foi revogado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, vulgarmente designada por “Lei das Comunicações Electrónicas” e esta Lei foi já alterada pelo Decreto-lei n.º 176/2007, de 8 de Maio, que versa precisamente sobre o tema em análise.

Nas sucessivas alterações, o agravamento das consequências previstas para a prática de actos de pirataria foi crescente.

No Decreto-lei n.º 287/2001 proibiam-se : a) o fabrico, a importação, a distribuição, a venda, a locação ou a detenção para fins comerciais de dispositivos ilícitos; b) a instalação, a manutenção ou a substituição, para fins comerciais, de um dispositivo ilícito; e c) a utilização de comunicações comerciais para a promoção de dispositivos ilícitos. Considerava-se, depois, que, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, a violação destas proibições consubstanciava uma contra-ordenação.

Com a Lei n.º 5/2004 veio criminalizar-se o fabrico, a importação, a distribuição, a venda, a locação ou a detenção para fins comerciais de dispositivos ilícitos, prevendo-se que a este crime fosse aplicável uma pena de prisão até três anos ou pena de multa. Permaneceram, no entanto, as restantes actividades como meras contra-ordenações.

Continuava, contudo, a não ser prevista qualquer cominação para a mera detenção dos equipamentos que efectivamente viabilizam o acesso, pelos consumidores, aos serviços de acesso condicional. A ausência de tal previsão permitia, no nosso entender, o crescimento da pirataria, visto que aqueles que fabricavam e viabilizavam o acesso aos referidos dispositivos encontravam para os seus equipamentos um mercado florescente, convicto da sua inocência ou, pelo menos, da sua “impunibilidade”.

Esta falha veio ser colmatada pelo Decreto-lei n.º 176/2007, que aditou ao rol de actos proibidos a aquisição, a utilização, a propriedade ou a mera detenção, a qualquer título, de dispositivos ilícitos para fins privados do adquirente, do utilizador, do proprietário ou do detentor, bem como de terceiro. No entanto, também esta prática constitui apenas uma contra-ordenação.

Sem prejuízo de podermos discutir a adequação das consequências previstas para esta prática, que cremos que não poderão deixar de ser agravadas, este diploma veio tornar evidente que, hoje, não podemos ter nas nossa casas a famosa “box” pirata que nos permita aceder gratuitamente a serviços de acesso condicional. A consequência, para as pessoas singulares, do desrespeito desta proibição será o pagamento de uma coima que poderá variar entre os 500€ e os 3.740€ (de 5.000€ a 44.891,81€ para as pessoas colectivas).

Aguardamos o resultado da consulta na expectativa de que as conclusões obtidas permitam o contínuo reforço da protecção dos prestadores de serviços de acesso condicional, porque nenhuma outra solução será justa no mercado concorrencial em que os bens e os serviços são pagos.

Para o efeito, deixamos desde já algumas sugestões:

Forme-se as entidades jurisdicionais, agrave-se as penas, alargue-se o âmbito da protecção de modo a prevenir a entrada na União Europeia dos dispositivos ilícitos provenientes de outros países e eduque-se os consumidores.

Ainda que o problema possa não ficar resolvido, talvez se contribua para a sua atenuação.

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