sábado, 31 de janeiro de 2009

Entidades culturais e partidos juntam-se em coro de protestos contra ministro da Cultura

Primeiro ano de José Pinto Ribeiro na tutela
Entidades culturais e partidos juntam-se em coro de protestos contra ministro da Cultura
30.01.2009 - 12h20 Lusa

Falta de diálogo, falta de políticas para os vários sectores e desinvestimento são algumas das críticas que várias entidades culturais e partidos políticos, ouvidos pela agência Lusa, lançam ao ministro da Cultura José Pinto Ribeiro, quando se completa o primeiro ano de actividade à frente da tutela.

O presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), Rui Beja, lamenta a "ausência de contacto" com o ministro a quem solicitou uma audiência em Agosto. "Solicitámos um reunião a 1 de Agosto ao senhor ministro, a 13 responderam-nos que reuniríamos logo que possível, e até hoje", disse à Lusa Rui Beja.

Os editores e livreiros querem alguns esclarecimentos do ministro, nomeadamente quando passa "a vigorar de facto" o Acordo Ortográfico. Esta informação é considerada essencial, designadamente para a área do livro escolar.

Rui Beja afirmou que a "APEL está disposta a cooperar, mas para isso tem de conhecer as perspectivas do ministro".

João Neto, presidente da Associação Portuguesa de Museologia (APOM) considerou também que "continua a faltar uma política estruturada" para o sector dos museus em Portugal, apesar do empenho demonstrado no último ano pelo actual ministro da Cultura.

"Está-se a caminhar para algo, mas o grande problema continua a ser a ausência de uma política estrutural para esta área", sublinhou o presidente da APOM, que aponta ainda "falta de bom senso, diálogo e cooperação com as instituições que poderiam apoiar o Ministério da Cultura nesta matéria".

Sobre as medidas tomadas ao longo de um ano para o sector dos museus - que tem sofrido na última década um progressivo agravamento das dificuldades orçamentais e recursos humanos - João Neto define-as como "analgésicos".

"Há medicamentos para atenuar a dor e há medicamentos para curar a doença. É destes últimos que necessita a museologia em Portugal", apelou.

Defendeu um olhar mais aprofundado da tutela para a globalidade dos museus do país - incluindo os municipais e privados - e "não apenas os nacionais".

Questionado sobre a actividade desenvolvida pela Rede Portuguesa de Museus (RPM), entidade tutelada pelo MC que se dedica à credenciação e qualificação de todos os museus do país e que conta actualmente com cerca de 120 museus, o responsável apontou que "continua com dificuldades em aplicar as normas adequadas".

"A Rede Portuguesa dos Museus não deveria estar só nas mãos do Estado - defendeu - mas sim com uma administração tripartida que passe pelo Ministério da Cultura, a APOM e o ICOM" (International Council of Museums), organização não-governamental que possui uma representação em Portugal.

A APOM advoga ainda que parte do dinheiro dos jogos (como o Euromilhões) deveria ser "aplicada em bons projectos que incidam na área do património nacional".

Por seu lado, a Associação Portuguesa de Realizadores (APR) criticou o ministro da Cultura por não ter apresentado uma política para o cinema português ao fim de um ano de mandato. "Não houve medidas novas que instituíssem um sentido de renovação no sector", disse o vice-presidente da associação, o realizador Fernando Vendrell. Para aquela associação de realizadores, no último ano assistiu-se a uma "descaracterização do cinema e a uma invasão da televisão nos territórios do cinema" e ainda a uma "inconsequência na atribuição dos financiamentos".

"Com o mesmo dinheiro tentou fazer as mesmas ou até mais obras e isso reflectiu-se também nas condições de trabalho", lamentou o realizador, sublinhando que a associação entregou a Pinto Ribeiro um documento com propostas para o sector e do qual não obtiveram ainda respostas.

"O ministro não está dialogante e não faz parte da solução, mas do problema e a simpatia que temos pela pessoa não tem correspondência com uma dinâmica política para o sector", sublinhou.

Partidos e Alegre criticam em uníssono

O deputado comunista João Oliveira lamentou o desinvestimento do ministério da Cultura ao longo do último ano e o consequente aumento das dificuldades sentidas no sector. João Oliveira disse que "a redução das verbas para a Cultura inscritas no Orçamento de Estado para 2009 demonstrou um claro desinvestimento no sector", dando como exemplo um "retrocesso no apoio às artes", referindo-se à revisão do regulamento da Direcção-Geral das Artes, e criticou ainda o apoio a "projectos megalómanos, de grande envergadura", dando como exemplo a Colecção Berardo.

O deputado referiu ainda a "situação preocupante em que se encontra o património" e a possibilidade do cenário se agravar com a legislação relativa aos bens patrimoniais de domínio público.

Vasco Graça Moura, eurodeputado do PSD, qualificou o primeiro ano de José António Pinto Ribeiro à frente da pasta da cultura com nota 0,0.

"Tenho uma cordial relação de simpatia com o actual ministro da Cultura, mas considero que a sua prestação equivale a 0,0", disse à Lusa Vasco Graça Moura.

Também escritor, Graça Moura afirmou que o actual ministro "é um dos principais agentes do atentado à Língua Portuguesa que é o novo Acordo Ortográfico".

Graça Moura salientou também haver "sinais preocupantes relativamente ao património edificado", sem pormenorizar.

A vice-presidente do CDS-PP Teresa Caeiro também fez "um balanço claramente negativo" da actuação de José António Pinto Ribeiro e considerou que a situação nesta área não melhorou. Teresa Caeiro lembrou que quando tomou posse o ministro disse que "iria fazer mais e melhor com menos recursos". "Ora verificamos que não fez mais nem melhor e teve os mesmos recursos", considerou.

A ex-secretária de Estado da Artes e Espectáculos do Governo de Santana Lopes apontou alguns casos que lhe merecem críticas: "Estamos com atrasos no apoio às artes, estamos perante uma indefinição no funcionamento da OPART (estrutura que gere o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado). Convém lembrar que o próprio ministro considerou que era anacrónica esta fusão de estruturas, até agora nem fez uma avaliação nem alterou o que quer que fosse", criticou.

A deputada indicou que também foram deixados cair projectos como o pólo em Portugal do Museu Hermitage (depois de um investimento de quase 2 milhões de euros numa exposição inicial) e o Museu do Mar da Língua.

Sobre este último, a dirigente do CDS-PP referiu que "numa primeira fase o ministro disse que teria de ser realizado até ao fim de 2008 para não perder verbas, depois quis fazer este museu na estação do Rossio, depois disse que propunha um restauro e renovação de todo o edifício do Museu de Arte Popular para aí instalar o Museu do Mar da Língua e finalmente desistiu do projecto".

Na área do património, Teresa Caeiro destacou que há cerca de 3 mil obras classificadas em todo o país, muitas das quais são património mundial classificado pela UNESCO que se encontram em situação de risco.

Sobre esta matéria, Pinto Ribeiro comprometeu-se hoje, em conversa com a Lusa, a "recuperar todo o património classificado pela UNESCO nos próximos três anos", acreditando também que, graças às medidas que implementa, "todo o património português seja recuperado entre cinco e dez anos".

"Em 2005, não estava nada feito em termos de diagnóstico e de carta de risco. Primeiro, foi desenvolvido um trabalho de levantamento da situação do património, sobretudo em relação a património classificado e monumentos nacionais", reconheceu Pinto Ribeiro.

José António Pinto Ribeiro tomou posse a 30 de Janeiro de 2008, substituindo no cargo Isabel Pires de Lima. Tal como afirmou na tomada de posse, Pinto Ribeiro continua hoje a afirmar que os baixos orçamentos para a cultura não são um problema e que é possível “fazer mais com menos”.

Segundo Pinto Ribeiro, tal não significa que "o ministério da Cultura não queira ter um orçamento maior", mas alarga o contexto e aplica a polémica frase a todas as áreas. "Se era um objectivo meu, hoje é ainda mais importante. Isto porque atravessamos uma crise sem precedentes. Isto significa que devia ser uma palavra de ordem de todos nós fazer mais e melhor com menos".

Mas não só a oposição se levanta nas críticas à gestão da cultura no último ano. O poeta e deputado socialista Manuel Alegre lamentou que o Ministério da Cultura (MC) continue a ter "uma dotação orçamental baixíssima", que se traduz, entre outros aspectos, "num grande desprezo pelo património".

"Não sou conta o mecenato, mas é uma responsabilidade fundamental do Estado recuperar e salvaguardar o património nacional, que é a pegada histórica de um povo", salientou.

Escusando-se a comentar a performance do ministro José António Pinto Ribeiro, o escritor preferiu centrar a sua avaliação nas prioridades do Governo para a área da cultura.

"A cultura não tem sido prioridade do Governo, daí os baixíssimos orçamentos", conclui Manuel Alegre, alertando para a degradação de alguns dos sectores mais importantes deste sector, como o património arquitectónico e os museus.

Lastimou os casos que têm vindo a público de degradação de património, como o Convento de Cristo, em Tomar, o Mosteiro da Batalha e a Sé Velha de Coimbra.

"Não percebo como o Estado tem tantos milhões para salvar um banco e não salva o património nacional do país. Parece que o património material está hoje acima do património histórico".
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1358135&idCanal=14

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